03 novembro, 2009

A CERCA DA ARTE: RESSINTO








...Chora, chora por minha lida e minha dor,
Chora pelo ódio de viver...
Vem, desperta a manhã novamente,
traga-me de novo a doçura das lágrimas...
Pai, a canção bacante da morte
Eu o choro por entre os mortos
Sob a terra, verto as palavras
Dia após dia sem fim
Enquanto me movo...





(sem guarda chuva, também me lavo, levando os entulhos acumulados, plantaria sementes onde?
Aqui ruminando... dos dialogos, conversas gregas, lembro que enquanto Aristóteles explicava que a função mimética do drama está em representar as consequências dos atos além do reflexo da natureza humana Euripedes criava personagens que lutavam com os movimentos do destino... alguns interpretam como que buscando despertar em nós o sentimento de indignação, Platão apontava para a arte dramática com certo desprezo vendo-a apelar ao aspecto menos nobre de nossa natureza, a expressão da emoção e o lamento do sofrimento, em detrimento das virtudes relacionadas a renuncia e contenção dos instintos no forjar e amadurecer da alma, para ele, o mais importante, daí o termo que ele próprio usava: "virtudes mais elevadas", apontando no que, para ele, a arte deveria se ater. Dizia que há um efeito corruptor na arte mimética na medida em que catalisa e manipula as emoções que devíamos aprender a dominar, afirmando, por exemplo, que a piedade pelos sofrimentos dos outros estimula a piedade por nós mesmos, de modo que ficamos à mercê de nossas emoções em vez de permitir que elas sequem e desapareçam, mantendo limpo e harmonioso o espírito.
...
Voltando a vaca fria, sem cavalgadura, lanço um olhar para as obras de arte hoje, estas que carimbam a paralisação do seu público mediante o reflexo dos assombros do nosso cotidiano, e na perspectiva deste dialogo, vejo que contrariam alguns possíveis processos de sublimação... vislumbrados pelos gregos em questão. Alinhavando vou compreendendo que estas obras de arte chocantes querem que vejamos a consequência dos atos, a luta com o destino imposto, nos dando razões para ficarmos profundamente inquietos com o rumo das coisas, responsabilizando-nos, nos arrancando da apatia que teoricamente nos levou a este estado social e moral presente... No entanto este recurso já foi tão utilizado que se tornou acidentalmente o que em si queria refletido, impregnou-se o que só o cheiro do narciso já nos lembra, eco petrificando... sublinhando um status quo equivocado, ilusório em si mesmo, reverberando o mesmo que já todas as  catástrofes reais que caíram sobre a humanidade, falando só da ultima década: bombardeios, seres mutilados, campos de concentração, sequestros, suicidios coletivos, abusos de todos os tipos entre familiares, assassinatos de tribos inteiras, povos, raças desaparecidas... deixando um legado de choque não só aos sobreviventes mas aos espectadores que vem vindo, poros limpos, olhos intactos... que fico com vontade de perguntar... aos que estão febrilmente trabalhando na busca de novas formas de nos despertar de uma suposta anestesia voluntária... me atendo e atando, ao Platão: 
Que esforços estão fazendo para nos lembrar, como só a arte pode... de um outro estado de espírito...?  Aos sobreviventes e aos ainda livres...?
E se não estamos dormindo por desejo, nem vontade, e sim por medo de sentir o re-talho destas feridas fisico-mentais: corpo, mente, memória, psique? Quem nos relembra deste estado anterior ao assombro além do sorriso das crianças pré televisivas?
Melancolia diz: relembra... saudade do encanto do fogo coletivo... sentido verticalizado com os simbolos...
Mas qual o limite da arte e do rito?
Qual o sentido da morte que clama Electra?
Onde é o ponto de encontro?
Que recinto?




epigrafe  de Electra-Eurípedes.

01 junho, 2009

SEMENTES DO FOGO

Hoje, vi a Arte! Forma do informe, imprimível...
Fotografaria....
mas que imagem revelaria a inteireza ampla deste testemunho, em oasis, sentimento formando horizontes?
Horizonte é a pele do destino?
...Nunca imaginei nem imaginaria o Parque da Luz, assim: criado. Aqui manhãs, estive atrás das raizes, troncos, que agora sombram.
Estamos.O fogo plantado em vasos de barro - por eles feitos: forjadas almas - em varais, em fios, lâmpadas de cabeça pra baixo, cheias de fluidos, incensos, suspensos nas brasas em bolas de arame, em traquitanas girando mandalas de chamas,  fogo em todos os lugares,  sob controle.
Translumbrados...
Um momento aquecido, sabor medieval, torpor ritualístico, vago, coração ancestralizado, estado de caminho.
No ir-se plantando este fogo, ouvíamos uma música distante, ali nascendo, cortejos circulares irradiavam sons, falas gravadas, outras línguas chamavam: chamamentos.
 Músicos, técnicos, todos atuavam para e com. juntos, fazendo aquela bolha de respiro, sopro ao avesso,  acendendo o parque, nete oficio de ser sensivelmente artista, responsabilidade missionária em metrópoles.
Eu, camera de poros naquela atmosfera: pessoas, vagarosas, vários trilhos, respeitando, cuidadosas, curiosas, reverberando miúdas ações. Completávamos-nos com vagas compreensões, partes de explicações descobertas, pelos mais atentos ao labor do todo. Amalgamavamo-nos?
Canhões de ferro vazados, rendados, atiravam flamas e o âmbar movimentando as formas dançantes, incandescentes, o parque aquecendo, estufa de almas,  cuidados de compartilhos, carinhos... Fotos, flashes, olhares pra sempre comovividos.
...Regarder, plein de bouté...
"Qu´que tu fait?"
- Feu. Dedans.
Seguro.
Já estive esperando um misterioso instante coletivo...? Onde estava? Déjà vu: branco vestido de veludo. Castiçais. Brancos abjures estendidos em cabides suspensos penduravam velas, nas árvores: regatas regando, noite, gotas evaporando o frio da gente, e a melodiosa vibração resplandecendo o peito. Andavamos por mais de hora sem sentir o tempo, o balão sem pele flutuando, na névoa, fumaça, o cheiro da gravidade outra. Fosse eu só barro, ali rachava nunca. Sendo este o alumio, aboio neste quentinho obrado para o encontro, desesquecido, fluxo de reflexo doré...
Antes da exaustão só tive certeza do ocorrido, nas graminhas soltas do assoalho... o cheiro no vestido. Memória do corpo.
Chamasse vereda, esta passagem: meus buritis vi, enformando-se neste oeil nouveau-né, naquela Praça chamando Luz.